sexta-feira, 18 de abril de 2008

Anestesia

Meu coração ainda está pesado, pesado demais para que eu possa carregá-lo. Meus batimentos estão acelerando mais a cada passo que ouço no corredor.
"Fique tranqüila, esse médico é muito bom", me disseram há algum tempo atrás. Isso não fez meu nervosismo diminuir, mas agora eu sei que Dr. Robson é muito bom.
Estou suando frio. E os enfermeiros que me carregam parecem indiferentes a isso.
Hospital é uma tortura em todos os sentidos que essa palavra possa ter.
O médico me cumprimentou com um aceno da cabeça e começou a me explicar o que seria feito, enquanto colocava as luvas.
O cheiro de éter e ácool não foi minha pior experiência naquele hospital... A visão do bisturi e outros instrumentos começou a me enjoar.
Nunca havia reparado no terror que o hospital me dava até aquele momento.
Se mamãe tivesse dito que me levaria para o hospital como castigo, nunca mais eu teria roubado goiaba da goiabeira da vizinha.
Um enfermeiro colocou uma máscara no meu rosto e de lé saiu um cheiro forte que estava irritando meu nariz.
Eu estava mole e com as pálpebras pesadas. Não iria fechar os olhos e dormir, não agora que me bateu uma coragem inexplicável de assistir a cirurgia.
Dr. Robson estendeu a mão sobre a prateleira de prata onde ficava os instrumentos cirúrgicos mas não pegou nenhum deles. Pegou uma vara de madeira, que até então eu não havia reparado, e pigarreou.
Segui com os olhos os movimentos rápido que ele fazia. Dr. Robson olhava seriamente para a parede atrás de mim e continuava a fazer seus movimentos de maestro com maestria.
"Enlouqueceu, coitado", pensei enquanto mordia um pedaço de maça.
Logo uma música vinda não sei de onde invadiu meus ouvidos. Engoli o pedaço de maça que estava mastigando e, desconfiada, olhei para todos os lados.
Não havia rádio na sala, muito menos uma banda. De onde vinha aquela voz aguda?
Isso tudo é muito estranho, eu sei. Mas não havia nada de anormal naquela sala: material de limpeza, instrumentos cirúrgicos, máquina de radiografia, globo de boate no teto, enfermeiros com nariz de palhaço e o médico... Dr. Robson estava exatamente como eu lembrava: cabelos faltando no meio da cabeça, óculos grosso, calça branca e blusa do Aerosmith.
Mordi mais um pedaço da minha maça e quase quebrei os dentes. Minha maça estava muito dura, muito doce e muito vermelha. Na minha distração não reparei que eu segurava a maça por um palito de churrasco. Alguns dos palhaços devia ter comprado uma maça do amor no picadeiro para mim e eu não reparei e muito menos agradeci. Porque não me trouxeram amendoins? Gosto mais deles.
"Cansei dessa música", disse em voz alta.
Ninguém me ouviu.
"Cansei dessa música", repeti mais alto.
Um dos enfermeiros me olhou com o canto dos olhos e foi repreendido pelos outros.
Ótimo. Eles decidiram me ignorar por eu não ter agradecido pela maça. Só pode ser isso.
"Por favor, poderiam trocar a música?", pedi.
Instantaneamente a voz aguda parou. E vi sair cabisbaixa da sala uma mulher gorda com dois coques no cabelo e um vestido longo e antigo.
"Desculpe", pedi a ela. Mas ela apenas me lançou um olhar mortal e uma risada maléfica.
Um dos enfermeiros deu um salto enorme e pegou um pandeiro. O enfermeiro começou a pagodear enquanto os outros cantarolavam algo sentados da mesa redonda de bar e bebericavam cerveja.
Dr. Robson deu uma giradinha e um sorriso malandro.
"Alea jacta est*", disse Dr. Robson.
"Não entendo latim, Doutor"
"Quid inde?**"
"Yo no ablo tu idioma, Dr. Robson"
Dr. Robson dava pontos em mim com uma habilidade ímpar. Era quase tão habilidoso quanto vovó costurando furos em nossas roupas. Logo depois, com um aceno da varinha de condão, meus pontos sumiram. Nem pontos, nem cicatriz. Minha pele estava novinha em folha.
Os enfermeiros me empurravam com pressa e o médico vinha logo atrás.
Sentei no banco do carona de uma Ferrari vermelha e Dr, Robson no banco do motorista.
Dr. Robson deu a partida e o carro seguiu sozinho e muito devagar.
Os enfermeiros iam atrás do carro, andando e cantando hip hop. E umas mulheres vindas não sei de onde davam piruetas e dançavam street dance.
O carro andou menos de um metro e parou.
Uma multidão enfurecida me carregou para dentro de um parque de diversões.
Odeio montanhas-russa mas foi o primeiro brinquedo que eu fui. Meu estômago subia e descia de acordo com as voltas da montanha-russa. O vento forte estava empurrando meus lábios para trás, me obringando a sorrir.
Meus olhos estavam se irritando com a luz forte e pude distinguir o relógio do hospital do céu claro qua estava acima de mim. Foi a última coisa que vi antes de fechar os olhos com força.


- Olha doutor, ela está sorrindo.
- Sim. Pena que é só até a anestesia acabar.

2 comentários:

Darlan disse...

Muito louco tudo, maseu gostei. rs
Parecia um episódio de Carniville.
O tom sádico do médico no fim é ótimo, e ele tem bom gosto msucial...


;*

Mya disse...

Vira escritora, Su. Por favor!
Comprava qualquer coisa que você escreve facinho, facinho.
E assim que eu tiver internet decente eu te adiciono no facebook ^^